
Semana passada, o Brasil presenciou uma das mais grotescas cenas protagonizadas no senado federal, tendo como atores dois senadores canastrões, um do estado de Rondônia e outro do Amazonas, contra a ministra do meio ambiente, Marina Silva. Apesar de envolver três políticos da região norte, o foco foi o Planeta Terra.
O motivo do debate foi em torno da pavimentação da BR 319, rodovia que liga o Amazonas ao restante do Brasil, mas por trás da posição não revelada dos senadores estava a defesa de setores econômicos contrários à sustentabilidade ambiental e, até mesmo, interesse particular, como no caso do senador Plínio Valério, do Amazonas.
Plínio Valério já foi denunciado por tentar licença para explorar ouro em Terras Indígenas, no município de São Gabriel da Cachoeira. Em 1983, ele entrou com cinco pedidos no órgão federal responsável. Todos foram rejeitados. O senador tucano, que já foi da ARENA, partido de sustentação política da ditadura militar, também é conhecido por possuir área na RDS tupé, em Manaus, onde aluga para turistas, atividade proibida por lei.
A BR 319 é só uma cortina de fumaça.
O foco central é o PL 2159/2021, em tramitação no Congresso Nacional, conhecido como PL da devastação, que acaba com o licenciamento ambiental, ameaça os ecossistemas e as populações tradicionais e põe em risco o Brasil e o planeta.
Mas e a BR 319? Ela será beneficiada pelo fim do licenciamento?
A BR 319 está com seu entorno todo protegido, com áreas destinadas para reforma agrária e unidades de conservação. Ainda no primeiro governo Lula, se iniciou o processo de proteção das áreas pertencentes à União, com a decretação de uma ALAP – Área de Limite Administrativo Provisório, e, posteriormente, foi feita sua destinação, a partir de audiências públicas e reuniões da câmara técnica criada em Brasília.
O que falta é a presença do Estado Brasileiro para proteger essas áreas, de acordo com a Constituição Federal. As três esferas do executivo têm responsabilidades, inclusive o ministério do meio ambiente, que tem obrigação de criar um plano de proteção das Unidades de Proteção, da floresta e dos recursos hídricos. O MMA tem que coordenar essa ação e deixar de querer terceirizar o problema para os buracos, lamas e pontes caídas.
Marina Silva não pode ser o bode expiatório contrário à BR 319, mas hoje ela é a ministra do meio ambiente. É bom lembrar que foi durante seu exercício no MMA, de 2003 a 2008, que o entorno da rodovia foi blindado e se iniciou o processo de construção do EIA/RIMA para pavimentação da estrada.
Marina não é inimiga do Amazonas. Essa missão é do senador Plínio Valério e seu espírito de destruição do meio ambiente e de todos valores morais, éticos e de boa educação.
A BR 319 não pode servir de cortina de fumaça para os inimigos do meio ambiente, assim como Marina Silva não pode se eximir da responsabilidade de construir políticas de proteção ambiental da rodovia. A estrada já existe há 50 anos e hoje é uma rodovia federal sem lei, pela ausência do Estado.
Grileiros, madeireiros ilegais e outros criminosos viraram senhores feudais das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, ribeirinhos, agricultores familiares, extrativistas e outros povos da floresta.
Na esteira desse problema e facilitando a ação do crime na BR, está o terrorismo ambiental contra a rodovia, com a criação fake news como a de que a pavimentação da estrada vai acabar com a vida no planeta, a partir da abertura de um corredor para novas pandemias ou que o fim dos buracos, lama e pontes caídas acabarão com a economia no sul do país.
Tem um malfazejo fazendo isso e recebendo apoio da mídia corporativa, que também tem interesse no isolamento terrestre do Amazonas e na ação impune do crime organizado na Amazônia.
A BR 319 é um direito do povo do Amazonas, mas queremos preservação ambiental e segurança para nossos povos. O Estado brasileiro tem essa obrigação constitucional.
Lúcio Carril
Sociólogo
Imagem: Portal SGC