
Foi apenas no ano passado que tive conhecimento das chamadas Adegas, em Manaus. Tratam-se de encontros festivos de jovens, com música alta, dança, bebidas alcoólicas e sociabilização entre grupos.
São jovens da periferia, sem espaços de lazer, cultura e esporte onde moram, que resolveram criar um ambiente de descontração a custos baixos, com músicas tocadas em potentes caixas de som, venda de cervejas a preços promocionais e onde também podem levar suas batidas em garrafas de pets, preparadas em grupo antes das festas.
Não tardou para o movimento sofrer discriminação, com grande parte da mídia manauara fazendo uma campanha para criminalizar esses encontros, criando estigma como espaço de violência, consumo de drogas e poluição sonora.
Não é a primeira vez que um movimento espontâneo da juventude sofre preconceito embalado por profissionais despreparados, que usam os meios de comunicação para propagarem suas frustrações pessoais ou mesmo sua hipocrisia velada.
As raves sofreram essa perseguição.
Com luzes fortes, batidas estridentes da música eletrônica, dança interativa, as raves eram- e são – espaços de expressão artísticas e de sociabilidade entre grupos e tribos urbanas. No entanto, suas festas foram duramente reprimidas, mesmo ocorrendo em galpões abandonados e lugares afastados. O estigma para a repressão era o mesmo: uso de drogas.
Hoje, as raves são promovidas até mesmo por empresas de eventos e seguem como espaço jovem.
As Adegas, assim como as Raves, surgiram da ausência do Estado nas periferias das grandes cidades, onde não há espaço de lazer, não existem centros culturais, as políticas públicas de promoção cultural não chegam, as escolas permanecem fechadas no fim de semana, com seus ginásios esportivos e salas sem acesso para a comunidade. Enfim, não tem para onde escapar no fim de semana e sair do cotidiano massacrante.
As Adegas, assim como as Raves, são espaços de transgressão, de liberdade, de fuga do estresse diário imposto pela carência social. Lá, os jovens bebem, dançam, ouvem as músicas da sua geração, interagem com outros jovens e outros grupos de bairros diferentes. É o momento de dar um tempo para as regras sociais que lhes consomem e pouco oferecem de bom.
As posições que tentam estigmatizar as Adegas são as mesmas que protegem os territórios elitizados de Manaus, onde as drogas correm soltas, a violência é praticada com sadismo, mulheres são estupradas e surradas por homens drogados e sórdidos. Para esses lugares, nenhuma campanha da mídia para intervenção policial, para fechamento dos bares nos quais se cometem assassinatos e agressões. É muita hipocrisia e pouco profissionalismo.
As Adegas apenas reproduzem a vida como ela é na periferia. Lá, digo, aqui, pois escrevo este texto na minha casa, no bairro da redenção, área favelizada na zona centro-oeste de Manaus, no sábado e no domingo, o trabalhador abre o porta-malas do seu calhambeque e põe seu potente som para tocar. Um vizinho põe a churrasqueira e o outro já aparece com a caipirinha. Pronto, a Adega está montada.
Deixem nossa gente ser feliz. Deixem nossos jovens construírem seus espaços de descontração. Se o Estado está preocupado com as drogas e uma violência esporádica, que se ponha a serviço dessa juventude, sem preconceito, apenas cumprindo seu papel institucional. A juventude não quer cacetete e balas, quer política pública de inclusão social e respeito.
Lúcio Carril
Sociólogo