Não viverei

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Por Carlos Santiago*

Já vivi o bastante para presenciar a maior revolução tecnológica de todos os tempos; aviões voando na velocidade da luz; conexões de bilhões de pessoas por via digital instantaneamente; satélites que mostram cada pedacinho do planeta Terra em tempo real; e a chegada do homem à Lua.

    Vivi para contemplar a construção da linha de trem que passa debaixo do mar; para acompanhar um trem-bala interligando cidades em minutos; para testemunhar a criação de moderníssimas cidades no deserto e sob águas marinhas.

    Já vivi muito para usar descobertas científicas que salvaram milhões de homens e de animais por meio de vacinas; e para acompanhar, a partir de uma tela de computador, cirurgias humanas realizadas por inteligência artificial; e também para assistir pela televisão uma ovelha clonada, uma fantástica revolução dos estudos da genética.

       Já vivi o suficiente para o planeta Terra girar mais de cinquenta vezes ao redor do Sol; vivi para comer fruta, plantar a semente, vê-la tornar-se árvore e frutificar dezenas de vezes com uma enorme sombra; para sorrir com o nascimento de uma criança e participar de sua formação acadêmica; mas vivi também para observar inúmeras vezes as cheias e as secas dos rios amazônicos entre alegrias e tristezas.   

     Esses ganhos tecnológicos trazidos pela razão científica e o magnífico e permanente movimento da natureza produzindo vidas vão fazer parte da minha vivência positiva no mundo até findar a existência. Gostaria de ter vivido outras realizações humanas que jamais viverei, uma limitação natural da vida.

     Enfim, não viverei para constatar a paz no mundo; nem os povos  irmanados para construir fraternidade e cooperações com respeito em que a lei do mais forte não será a regra das relações entre as pessoas e as culturas; não viverei em um planeta sem armas.

      Não viverei num mundo sem desigualdades econômicas, sem miséria, sem escravidão, sem violência, sem governantes corruptos e gananciosos, sem religiões que pregam a morte e o genocídio de povos.      

    Não viverei num mundo com a maioria de homens e de mulheres preocupada com a degradação do meio ambiente, com o bem-estar dos outros animais, com a poluição dos mares e com as destruições das florestas.      

    Não viverei num planeta sem luta por terras, sem a busca pelo poder e por tolas vaidades. Um lugar onde ninguém será julgado pela cor, pela riqueza material, pela sua forma de viver a vida e amar o outro. 

   O  Homem tem a capacidade de alcançar revoluções tecnológicas quase impossíveis, mas é incapaz de resolver aquilo que só precisa de boa vontade.    .  Vivi para ser um homem que tenta traduzir o tempo presente. E se eu tiver muita sorte, partirei sem ser impactado por uma bomba atômica. Na certeza de que viveria melhor se houvesse mais fraternidade e paz, e menos tecnologia. 

    As algemas econômicas, religiosas e ideológicas criadas pela humanidade estão destruindo o planeta e produzindo um mundo inquieto, egoísta em que governantes vivem em luxuosos gabinetes, enquanto jovens morrem e matam em guerras insanas. 

     Não viverei tempos melhores. John Lennon imaginou um mundo que não existisse “nenhum motivo para matar ou morrer” e foi assassinado. Fica o tempo futuro para quem acredita no homem no planeta Terra. Isso eu não viverei.

*Sociólogo, Cientista Político e Advogado.

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