
Os Kaingang, um dos cinco povos indígenas mais numerosos do País, receberam nesta sexta-feira (19/9) as primeiras traduções de textos constitucionais do programa Língua Indígena Viva no Direito, fruto de parceria entre a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério dos Povos indígenas (MPI) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). A entrega ocorreu durante encontro na Comunidade Indígena situada na Floresta Nacional do Município de Canela, no Rio Grande do Sul.
O ministro da AGU, Jorge Messias, participou do evento, que reuniu a assessora especial de Participação Social e Diversidade do MJSP, Adriana Marques; a coordenadora de Promoção à Política Linguística do MPI, Altaci Kokama; lideranças indígenas, pesquisadores e coordenadores do programa, além dos tradutores tradicionais que integram a própria comunidade. Durante o encontro foram lidos e comentados os textos em língua Kaingang, parte do processo de validação das traduções pelas lideranças da comunidade indígena.
“Nunca participei de uma experiência tão rica. Meu sonho é que vocês possam ser julgados e defendidos por indígenas. Meu sonho é que, um dia, possamos ter Kaingang como ministros da Suprema Corte, procurador da República, advogado-geral da União. A apropriação dessa constituição levará vocês a isso. Os artigos 231 (direitos às terras, costumes etc.) e 232 (direito a ingressar em juízo), que foram incluídos nessa primeira etapa, é fruto da luta e do trabalho dos seus ancestrais”, afirmou o advogado-geral da União, Jorge Messias.
Quem comemorou o resultado dessa luta foi o cacique Kaingang, Maurício Salvador (nome em português): “É um evento muito esperado pelos nossos ancestrais, por nossos antepassados. Uma luta árdua que meu pai vem pleiteando para que pudesse ser reconhecida nossa língua materna. A linguagem dos povos Kaingang é um dos pilares da questão cultural. Traduzir a constituição federal para a nossa escrita é um feito histórico e muito importante. É um passo inicial para que a língua e a escrita do povo Kaingang seja reconhecida. A gente quer que a língua materna dos Kaingang seja uma das línguas oficiais do nosso país”, acrescentou o cacique.
O programa se propõe a criar uma ponte de entendimento entre os povos indígenas e os responsáveis pela formulação e aplicação das leis brasileiras, ampliando o diálogo intercultural, promovendo a igualdade e fortalecendo a cidadania dos povos indígenas. Com este objetivo, tem como meta a tradução da Constituição Federal de 1988, da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas para as três línguas indígenas mais faladas no Brasil: Tikuna, Kaiowá e Kaingang.
Para o advogado-geral da União substituto e secretário-geral de Consultoria da AGU, Flavio Roman, a entrega feita à comunidade não é apenas uma entrega de textos e livros, mas de reconhecimento e respeito por uma história. “É um ato de justiça histórico e constitucional, a concretização efetiva do texto de 1988. É uma política pública que realiza direitos fundamentais”, disse Roman.
O Língua Indígena Viva no Direito está sendo executado pela organização da sociedade civil Instituto de Direito Global (IDGlobal), vencedora de edital de chamamento público lançado pela AGU em novembro de 2024. O instituto atua em rede com outras organizações da sociedade civil que trabalham diretamente com os povos indígenas. A gestão e o monitoramento do programa estão sob a responsabilidade da AGU.
Validação
O processo de validação pela comunidade visa garantir que a tradução respeite e preserve a integridade cultural das línguas indígenas e ajude a superar barreiras linguísticas e culturais.
As traduções consideram as formas como os sistemas legais indígenas podem interagir e complementar a legislação oficial brasileira, de forma a permitir que os povos indígenas compreendam plenamente seus direitos, participem ativamente do processo democrático e protejam suas tradições e modos de vida.
Pertencem à comunidade os cinco tradutores tradicionais que trabalharam na versão dos textos para a língua Kaingang: Celestiel Kri da Silva, Jucemari Mīnká da Silva Corrêa, Kesia Valderes Jacinto Mũtẽ, Leonel Kãka Caetano Chaves e Selvino Kokaj Amaral. Além do pesquisador do IDGlobal, Ademir Garcia, que contribuiu para a primeira entrega do documento jurídico.
O programa também prevê a formação e capacitação em conteúdos relacionados às comunidades indígenas envolvidas.
Os Kaingang
Os Kaingang são um dos cinco povos indígenas mais numerosos do Brasil, com uma população estimada em 50 mil pessoas. Cerca de 22 mil são falantes da língua Kaingang, que pertence à família linguística Jê.
Atualmente, eles ocupam 30 terras indígenas distribuídas entre os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde alguns grupos migraram para a capital Porto Alegre e seus arredores. No século XIX, porém, seus domínios se estendiam até San Pedro, na província argentina de Misiones.
A situação das comunidades apresenta as mais variadas condições, mas em todos os casos a estrutura social e princípios cosmológicos Kaingang continuam vigorando, adaptados à conjuntura ao longo do tempo.
Tikuna e Kaiowá
Esta foi a segunda comunidade indígena a receber para validação a tradução de trechos constitucionais para sua língua. A primeira delas foi a comunidade Tikuna, o mais numeroso povo indígena da Amazônia, em encontro realizado no último dia 12 de setembro, na Comunidade Santo Antônio, em Benjamin Constant (AM), na região do Alto Solimões.
Os Kaiowá, que ocupam majoritariamente o estado de Mato Grosso do Sul, receberão os textos para validação no próximo dia 16 de outubro, em evento marcado para a Terra Indígena Laranjeira Nhanderu, no município de Rio Brilhante (MS). A consulta à comunidade será realizada durante o ritual da Grande Dança Sagrada das Mulheres Guarani-Kaiowá. São 26 mil os falantes da língua Kaiowá que pertencem à família Tupi-Guarani.
Assessoria Especial de Comunicação Social da AGU