
Já faz alguns anos que me chama atenção a atuação de mulheres em defesa do fascismo no Brasil. A extrema direita fez ressurgir esse fenômeno político vergonhoso da história. Não são mulheres ligadas a grupos religiosos ou mesmo a uma organização civil neofascista ou neonazista. Emergiram de outras condições.
Algumas têm a atuação fascista herdada de alguém da família, geralmente um militar simpático à ditadura ou formado sob a ótica do extermínio e apagamento de tudo que é vinculado à democracia. Outras, sem origens conhecidas, talvez sejam motivadas por traumas de infância ou são vitimas da psicologia de massa do fascismo, um pensamento sempre presente na ideologia dominante.
Não me refiro à massa de mulheres ideologizadas pelo neopentecostalismo ou por outro mecanismo de dominação e subserviência. Essas são vítimas e merecem todo respeito e tolerância. As que me causam estranheza são aquelas com mandatos, outras chamadas influencers, uma categoria disfuncional surgida no mundo digital.
Me causam estranheza porque a história das mulheres no combate ao fascismo é heróica e exemplar.
Na Itália, durante a ascensão de Mussolini, as mulheres resistiram às políticas de dominação dos seus corpos pelos programas de natalidades, que exigiam retorno às suas casas para trabalhos domésticos e reprodução humana, como se fossem máquinas de parir. Elas continuaram nos seus postos de trabalho, buscando cidadania e respeito.
Durante a segunda guerra mundial, após a invasão nazista, as mulheres italianas fizeram a resistência. 35 mil faziam parte das formações de combate, 20 mil atuavam no apoio e 75 mil se juntaram aos Grupos de Defesa das Mulheres, organizações pioneiras do feminismo na Itália.
Mais de 4.600 foram presas, torturadas e condenadas nos tribunais fascistas. 1.890 foram deportadas para a Alemanha. 683 foram baleadas ou mortas em combate. Os dados são da Associação Nacional Italiana de Partidários – ANPI.
A posição feminina de resistência não foi somente uma luta pela democracia. Elas lutavam contra o machismo, um elemento de dominação muito forte e característico do fascismo. Mussolini, por exemplo, era um conquistador bizarro e estuprador. Para ele, sempre estava “pintando um clima” com menores de idade.
Hoje, temos autores que classificam o mecanismo patriarcal de controle e opressão da mulher como “fascismo de gênero”. Trata-se de um fascismo social, cuja atuação se dá pela assimetria entre homens e mulheres, que reproduz a exclusão e a subjugação feminina.
Como sabemos, o fascismo é um regime de violência, escudado em bandeiras chauvinistas e de escolha de um inimigo comum. Seu patriotismo é desfigurado pela defesa de grupo e do anseio por poder. Não tem nada a ver com a defesa da pátria. Nem mesmo os militares fascistas são patriotas.
A atuação de mulheres fascistas é uma excrescência política, pois viola seus direitos sociais e humanos. A mulher fascista não se autorreconhece como mulher ao defender um sistema de pensamento que busca aniquilá-la social e culturalmente.
Sigamos firmes com a mulheres em defesa da democracia e da vida. Elas são muitas no Brasil democrático e seguem o exemplo das companheiras italianas e de todas que lutam em todo o mundo.
Lúcio Carril
Sociólogo
Foto: Divulgação