
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) instaurou um Procedimento Coletivo (PC) para acompanhar o processo de implementação do Serviço de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Savvis) no município de Tabatinga (distante 1.108 quilômetros de Manaus). A iniciativa visa assegurar o cumprimento das políticas públicas voltadas à proteção e ao atendimento humanizado de mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência sexual na região.
A medida foi tomada após sucessivas tentativas da Defensoria Pública em garantir, junto à direção da maternidade de Tabatinga, o funcionamento do Savvis. Apesar das reuniões realizadas com gestores, médicos e profissionais da assistência social, as limitações estruturais da unidade e a ausência de providências efetivas por parte do Estado impediram a execução do serviço.
“Já vínhamos tentando, por meio de reuniões, garantir a implementação do serviço. No entanto, percebemos que a limitação da direção local exigia uma atuação mais ampla, junto à Secretaria de Estado da Saúde. O Savvis é essencial para que as vítimas recebam atendimento imediato, integral e digno”, afirmou a defensora pública Jéssica Matos, integrante do Grupo de Atuação Estratégica na Proteção e Defesa das Mulheres (Gadem).
Direitos violados e revitimização
A ausência do serviço tem provocado graves prejuízos às vítimas de violência sexual, especialmente meninas menores de 14 anos que engravidam em decorrência de abuso. Muitas dessas adolescentes e suas famílias desconhecem os direitos assegurados em lei, como o acesso ao aborto legal previsto na Lei nº 12.845/2013, conhecida como Lei do Minuto Seguinte.
“Temos acompanhado casos em que as vítimas só buscam atendimento dentro do prazo legal de 20 semanas, mas, por falta do Savvis e de encaminhamentos adequados, o tempo passa e o direito deixa de ser exercido. É uma violação muito grave. A menina, que já é vítima de violência sexual, acaba sendo forçada a levar adiante uma gestação indesejada, revivendo o trauma e tendo sua autonomia negada”, explicou.
A inexistência do serviço agrava o sofrimento das vítimas, que precisam relatar o abuso diversas vezes a diferentes órgãos e profissionais. “O correto é que, ao procurar o sistema de saúde, ela seja imediatamente acolhida por uma equipe multidisciplinar preparada, que esclareça seus direitos e garanta o sigilo. Quando isso não acontece, ela precisa contar sua história repetidas vezes, o que amplia o sofrimento e expõe sua intimidade”, acrescentou.
Conforme a defensora, falta de um atendimento integrado faz com que a vítima percorra diferentes órgãos e receba informações fragmentadas, dificultando o acesso a seus direitos e o acolhimento adequado no momento mais delicado. Essa ausência de articulação na rede de proteção pode resultar em revitimização, violação da privacidade e falhas no acompanhamento integral.
Fortalecimento da rede de proteção
A implementação do Savvis é considerada fundamental para o fortalecimento da rede de proteção às mulheres, crianças e adolescentes do Alto Solimões. O serviço deverá reunir uma equipe multidisciplinar capacitada, composta por profissionais da saúde, psicologia e assistência social, com fluxos padronizados e formulários próprios de notificação.
“Quando o atendimento é feito de forma integrada, a vítima se sente acolhida e segura, em vez de julgada. O serviço permitirá que cada caso seja documentado e acompanhado, contribuindo para a formulação de políticas públicas mais eficazes e adequadas à realidade da região”, ressaltou Matos.
Além de garantir acolhimento humanizado, a estruturação do Savvis permitirá melhorar o registro e a transparência dos casos de violência sexual, possibilitando que o Estado disponha de dados concretos para planejar ações preventivas e de enfrentamento.
Próximos passos e desafios
No âmbito do Procedimento Coletivo, a DPE-AM oficiará a Secretaria de Estado da Saúde (SES-AM) solicitando informações sobre as medidas já adotadas e o planejamento para viabilizar a instalação do serviço. O documento destaca que a justificativa apresentada anteriormente pela Secretaria foi a falta de espaço físico na maternidade de Tabatinga.
“O Estado precisa tratar essa pauta como prioridade. A ausência do Savvis não pode ser justificada apenas por questões estruturais, quando já existem profissionais preparados para atuar. O serviço depende, sobretudo, da priorização administrativa e da adequação estrutural necessária para que possa funcionar plenamente”, pontuou a defensora Jéssica Matos.
O funcionamento do Savvis em Tabatinga beneficiará toda a região do Alto Solimões, tornando-se um instrumento de articulação entre Defensoria, Ministério Público, Delegacia Especializada e órgãos da rede de proteção.
“O Savvis será um grande parceiro de todos os órgãos que atuam na defesa das vítimas. Ele permitirá que as informações cheguem de forma integrada e que as medidas de proteção e responsabilização sejam adotadas com mais agilidade e sensibilidade”, concluiu.
Sobre o Procedimento Coletivo
O Procedimento Coletivo (PC) é um instrumento formal e extrajudicial pelo qual a DPE-AM atua em favor da promoção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. É regido pela Resolução 023/2022-CSDPE/AM.
O PC é procedimento administrativo de natureza unilateral e facultativo, instaurado e presidido por defensor ou defensora pública e destinado a apurar fato que possa autorizar a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos, a cargo da Defensoria Pública, nos termos da legislação aplicável, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções institucionais.