
Por Carlos Santiago*
Com as mãos marcadas pelo trabalho, rosto sorridente, coração cheio de fé, orgulhoso de ter nascido naquela terra e pela família que construiu, ele acordava todo dia cedinho para contemplar o nascer do sol mais lindo do planeta, sentir o cheiro do rio e da floresta Amazônica. Olhava para o Céu, abria os braços, lembrava de sua vida, agradecia a Deus, nada foi fácil diante das incertezas humanas e das durezas naturais impostas, mas sempre acreditou e praticou o amor, mesmo quando precisava contrariar os malfeitores.
Carmelo Anjoile sabia que a vida não era eterna. Perdeu os pais, os cachorros, os amigos, a sobrinha, o sobrinho, os primos, a irmã e a neta, apesar disso, não abriu mão de viver para servir ao próximo, sempre com paciência e contando histórias alegres. Nunca deixou ninguém sem comer, tinha sempre um cafezinho para oferecer, nem que fosse preciso ficar sem dinheiro, uma vez que o mais importante era ajudar quem precisava de acolhimento e comida.
Quando a ditadura era escuridão, torturas, prisão de políticos, fechamento do Congresso Nacional e mortes de jovens que lutavam pela democracia, ele se filiou ao antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em uma localidade em que o partido dos ditadores reinava, Carmelo Anjoile escolheu a resistência. Chorou de emoção com a morte de Tancredo Neves e com a abertura democrática no País. Era um idealista de boas causas. Quis mudar a qualidade da política, acreditava que ela deveria ser a expressão do bem comum, mas não deu.
E, antes que a péssima política lhe envolvesse, resolveu abrir um cantinho para vender seus peixes, para conversas com os pescadores, com os compadres e comadres, com as pessoas simples, tomar café da tarde e apreciar o pôr do sol, jogar seu dominó e sorri muito abraçado aos netos e netas. Ali era o seu paraíso. Amava viver, acreditava na humanidade. Não agiu contra a natureza e não resistiu a finitude da vida. Apenas viveu para servir e para ser amado.
Os encantados do rio e da floresta foram seus parceiros em aventuras pela sobrevivência. Em sua voz os mistérios das florestas e dos lagos ganhavam dimensão coletiva, depois de uma pescaria e de uma noite dentro da flora amazônica. Nunca deixou de respeitar os horários e dias para acessar os frutos e os peixes, à medida em que acreditava que o seu ser e a natureza eram extensão de Deus.
Católico devoto, mariano praticante, coordenador de pastorais e ministro da Palavra. Reservava um dia para visitar os enfermos e conduzia o programa de evangelização na rádio comunitária. Conhecia todos os cânticos do padre Zezinho. Lia os versículos bíblicos. Pregava as palavras de Jesus Cristo. Viveu como um discípulo dele. O seu Jesus não bajulava os poderosos, não enriquecia à custa da miséria de pessoas e não justificava guerra. Cristo seria também o maior filósofo que existiu.
Ele não foi um santo, como humano tinha defeitos, o maior, eu aponto, estava na decisão de amar o Flamengo. Por meio do rádio, da televisão ou via internet, não deixava de acompanhar os jogos do clube carioca. Um cronista detalhista depois dos jogos. A camisa rubro-negra foi o seu manto em casa e no cantinho de trabalho. Eu defendia que ele fosse vascaíno, mas ninguém é tão perfeito, pois “uma vez flamengo, sempre flamengo”.
Chorou com os nascimentos dos filhos e das filhas, cuidava da esposa como um escultor de belas artes. Antes de partir para o paraíso celeste que acreditava, desejou ficar próximo de sua falecida mãe e de seu pai, na terra que ele amou, trabalhou nela e por ela.
No dia do seu velório a cidade parou. Uma multidão de pessoas queria se despedir dele. Naqueles momentos, nas cerimônias de adeus, o povo demonstrou a grandeza de Carmelo Anjoile, um homem que viveu como discípulo de Jesus Cristo e provou que amar o próximo durante toda vida, tem muito valor.
*Sociólogo, Cientista Político e Advogado.