
Por Carlos Santiago *
Gaia Ciência (1887) é uma das obras mais importes do filósofo e filólogo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) que foi escrita na forma de metáfora e com um tom bem poético para indicar um novo estilo de fazer ciência, como os trovadores provençais franceses na Idade Média que cantavam alegremente a vida real, o mundo mundano e com compromisso com a liberdade. Com isso, o filósofo rompe com a ciência tradicional e expressa uma nova forma de provocar e de mostrar a vida vivida com razão e também com a alegria do mundo vivente, como os trovadores.
Nos escritos poéticos, Nietzsche demonstra como pensar e fazer filosofia com leveza sem ser carrancudo, sem ser sério demais, com humor, em que existe a possibilidade de o homem rir de si mesmo e das coisas do mundo, usando a criatividade, a descontração e a arte dos trovadores que zombavam das instituições, dos monarcas e até do clero, buscando assim, uma outra ciência, uma gaia ciência.
Não é uma ciência sem corpo ou um distanciamento entre corpo e intelecto, ou apenas consolos metafísicos que buscam leis universais e movidos por dogmas. É um pensar com novo estilo que vai além, também, das ironias dos trovadores, mesmo mantendo a leveza e o sorriso, em que sejamos capazes de perceber o quanto somos banhados por uma moral e outras finalidades que são impostas, durante toda a nossa existência.
Não é à toa que o filósofo questiona a moral cristã e a filosofia de Sócrates e dos socráticos, em especial o pensamento racional extremo trazido pelo pensador grego que nega o corpo e entendia a vida como uma doença, bem como buscava leis universais e o mundo imutável. Nietzsche entendia o homem pelos impulsos e não somente pela racionalidade.
Diz que a fé em Deus está perdendo força, possibilitando o surgimento de novos valores humanos, em que a vida seria entendida na dimensão alegre e trágica, sem nenhuma garantia de Deus.
Nessa investigação genealógica, o filósofo faz severa crítica a moral religiosa e também a filosofia tradicional que definiu modelos dicotômicos para o homem, inclusive a ideia de bom e mau, criando ressentimentos e transformando o homem em servo de condutas messiânicas e de um ser divino quem impõe, via prática sacerdotal, até castigos psicológicos, pois ser forte e com autonomia tem imagem negativa, enquanto o fraco é tradado com louvor.
O filósofo quer um homem livre, uma transvaloração de todos os valores, muito além do bem e do mal, um sujeito que afirma a vida com seus erros e acertos, felicidades e decepções. Um novo homem ou um super-homem com autonomia e criatividade.
*sociólogo, cientista político e advogado.
